Transporte de Cimento a Granel
O transporte de cimento, assim como o de outros materiais de construção, exige cuidados especiais. É fundamental manter o cimento seco e livre de umidade para preservar suas propriedades físicas e químicas. Por ser um pó muito fino e pulverulento, o cimento requer condições adequadas durante o transporte. Embora seja comum transportá-lo em sacos de papel kraft para pequenos consumidores, essa forma de envio se torna onerosa e ineficiente em larga escala.
Para melhorar o transporte de cimento, as fábricas inicialmente usavam barricas de madeira e, posteriormente, tambores metálicos para despachar grandes quantidades do material. No entanto, esse método de manuseio era exaustivo e caro. A indústria então descobriu que o transporte eficiente de cimento a granel poderia ser realizado por meio de silos estacionários e "cebolões" móveis, pequenos silos projetados para suportar pressão positiva, facilitando sua descarga.
Pesquisadores logísticos indicam que a origem desses silos remonta à Europa da década de 1940, com a empresa alemã Hermanns Silo GmbH sendo um dos exemplos mais bem documentados. Inspirados pela maneira como o cimento era armazenado em terra, surgiram ideias para adaptar o conceito de cebolão a caminhões e vagões, com experimentos começando em 1945.
Experiências Pioneiras:
No Brasil, os primeiros registros do uso desse tipo de implemento datam dos anos 1950, com o objetivo de atender à crescente demanda da indústria de cimento. Na ferrovia, empresas como a Eternit e a Estrada de Ferro Sorocabana realizaram adaptações de vasos pneumáticos sobre plataformas entre 1957 e 1959.
Inicialmente feitos com vasos importados da Alemanha, posteriormente a tecnologia foi nacionalizada, tendo sido adaptada uma nova série de vagões, desta vez com tanques Santa Matilde.
Vagões adaptados com vasos nacionais produzidos pela Santa Matilde, posteriormente muitos destes vasos foram reciclados como areeiros por inúmeros depósitos da Fepasa.
No final dos anos 60 foi a vez da Cia Mogiana realizar seus vagões para transporte de cimento, utilizando método semelhante, adaptando um tanque único, maior, sobre pranchas próprias.
A Leopoldina, para atender ao Cimento Paraíso, também adapta tanques Cobrasma próprios, resultando em tanques com tara de 17t e transportando até 33t. Infelizmente não encontramos a volumetria útil dos mesmos.
À medida que a técnica evoluiu, a indústria ferroviária brasileira, seguindo práticas similares às da Europa, desenvolveu tanques inteiriços com formato em "V", com maior capacidade para facilitar o escoamento. A indústria de implementos rodoviários adotou conceitos semelhantes. O carregamento desses tanques é realizado pelas escotilhas superiores, e, uma vez lacrados, o material transportado é mantido seco e com suas características físicas e químicas preservadas, protegido das intempéries.
O destaque desse equipamento é seu sistema de aeração, descarga e fechamento hermético. Para a descarga, utiliza-se pressão positiva: o vagão é conectado a uma linha pneumática que fornece a pressão necessária para esvaziar o tanque e conduzir o material através das mangueiras. O ar comprimido é liberado pelo operador para dentro do silo, que deve controlar a pressão por meio de manômetros e válvulas, geralmente operando entre 1 e 2 bar. Na parte inferior do tanque, há almofadas de descarga equipadas com válvulas rotativas, e outra válvula libera ar comprimido na saída para garantir a fluidez e conduzir o material pela tubulação. Este procedimento deve ser realizado com técnica e segurança adequadas.
As vantagens dos cebolões rapidamente se destacaram em relação a outras formas de transporte de cimento a granel, levando à descontinuação dos antigos vagões nos primeiros anos. Durante sua história, as ferrovias brasileiras chegaram a possuir cerca de 50 vagões de cimento sobre plataformas e uma frota robusta de 728 tanques em "V", distribuídos em 5 tipologias. A Marumbi Modelismo oferece modelos desses tanques para que os modelistas possam representar qualquer trem de cimento a granel que já circulou em nossas ferrovias.
Para manter a continuidade temporal, abordaremos os tanques em "V" de acordo com sua data de aquisição, resultando em uma mistura de vagões de bitolas métrica e larga. No título, incluímos informações importantes para orientar sobre a compatibilidade entre os diferentes tipos de vagões.
Bitola Métrica
Vagões Fepasa 395001 a 395150, depois TPD 340100 a 340249
Depois Ferroban, FSA, FCA, ALL.
Santa Matilde, 1974
Encomendados pela Fepasa à Cia Industrial Santa Matilde em 1975, os 150 vagões da frota possuíam as características em “V” mencionadas anteriormente. Alguns autores referem-se a esse tipo de vagão como "tanque quebrado".
Com um volume útil de 48,5 m³, esses vagões foram parte essencial da Fepasa no transporte de cimento. A frota trabalhava em conjunto com vagões fechados, como o Pressed Steel de bitola métrica e o FLD “all-door” série 310, ambos produzidos pela Marumbi Modelismo. Os TPDs 340 eram propriedade da Fepasa e atendiam dois principais fluxos: o transporte de cimento para a unidade Santa Helena da Votorantim Cimentos, em Votorantim/SP (próxima a Sorocaba/SP), e São Paulo/SP, e o transporte entre Apiaí/SP e o pátio de Presidente Altino (em Osasco/SP).
Devido à sua data de chegada, esses vagões receberam o padrão de pintura da Fepasa em minúsculas e uma numeração numérica de seis dígitos. Inicialmente, apresentavam escadas laterais, que foram rapidamente substituídas por escadas nas cabeceiras, com uma curva composta, característica do vagão. A Marumbi Decalques produz essa versão.
Com a mudança da identidade visual da Fepasa em para a sua versão mais conhecida, bem como com a implementação da numeração ABNT (ou Sumo, o SIGO da Fepasa) o vagão passou para série 340xxx.
Nenhuma unidade recebeu o terceiro padrão de pintura da Fepasa, sendo portanto essas as duas fases predominantes da frota. Após a privatização, os vagões foram transferidos para a Ferroban e, com a cisão desta, passaram para a Ferrovia Sul Atlântico, onde ficaram conhecidos como “Frota Ourinhos” devido a uma inscrição em suas cabeceiras. Continuaram prestando serviços em São Paulo e também passaram a servir a fábrica da Votorantim em Rio Branco do Sul/PR.
Com a paletização e o declínio do transporte de cimento a granel na década de 2010, parte desses vagões foi convertida em tanques convencionais para transporte de óleo vegetal, garantindo uma sobrevida de mais alguns anos. Alguns vagões seguiram para a FCA, mas atualmente (2024), nenhum TPD 340 está mais em operação.
Bitola Larga
Vagões Ciminas TCPE 34101 a 34210
Depois TPS 010400 a 010509 Ciminas, Holcim, CSN Cimentos.
Santa Matilde, 1974
Ainda em 1974, foi a vez da bitola larga receber tanques semelhantes. Tanto a Liz, que será abordada a seguir, quanto a Ciminas - Cimento Nacional de Minas, localizada em Pedro Leopoldo/MG, adquiriram vagões tipo camêlo junto à Santa Matilde. Assim que as primeiras unidades foram entregues, a Ciminas expressou sua satisfação com o modelo, destacando que os tanques podiam ser descarregados em apenas 15 minutos em seus terminais, como os centros de distribuição de Marechal Hermes/RJ e Santo André/SP.
Na construção desses vagões, a Santa Matilde utilizou tecnologia e componentes fornecidos pela empresa Möllers. A responsabilidade da Santa Matilde incluiu a caldeiraria e a adaptação do projeto às condições de gabarito e aos componentes ferroviários já produzidos pela indústria nacional.
A Ciminas em suas manobras em Pedro Leopoldo/MG utilizava duas locomotivas bastante icônicas, uma GE “híbrida” 244 e uma RSC3 ex-Paulista. A RSC-3 foi lançada recentemente (set/2024) pela Frateschi, ficando aí o convite ao modelista para realizar a composição na fábrica.
O grupo Holcim, controlador da Ciminas, consolidou a aquisição de diversas plantas das Cimentos Alvorada, Barroso e Paraíso ao longo dos anos. A partir de 2002, após a reestruturação da Holdercim para Holcim, o grupo começou a adotar sua identidade visual em detrimento das marcas controladas, passando a pintar os vagões com a pintura unificada da “Holcim”.
Em 2022, a divisão de cimentos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) adquiriu as operações brasileiras de cimento do grupo suíço Lafarge-Holcim, incluindo as plantas e os vagões oriundos da Ciminas. Com esse novo capítulo, surge uma nova pintura na história dos vagões TPS e TPD/TPR, que começou a ser implementada no final de 2023. A CSN firmou um contrato com a MRS Logística para garantir a movimentação de cimento a granel até 2041, o que significa que esses vagões deverão continuar circulando por vários anos
Bitola Larga
Vagões LIZ TCPE 34501 a 34568
Depois TPS 012000 a 012067
Santa Matilde, 1974
A Liz iniciou suas atividades em 1918 em Portugal, na cidade homônima. Após um período de intenso crescimento, a companhia expandiu suas operações para o Brasil em 1969, começando como Soeicom - Sociedade de Empreendimentos Industriais, Comerciais e Mineração S/A. A empresa passou a operar minas e a construir sua primeira fábrica no município de Vespasiano/MG, que foi inaugurada em 1976 anunciando capacidade para meio milhão de toneladas. Além de atender ao mercado regional mineiro, a Liz visava alcançar os mercados das duas principais cidades brasileiras, por isso encomendou vagões de bitola larga que pudessem circular pelas linhas da RFFSA - Central, atingindo São Paulo e Rio de Janeiro.
Os sessenta e oito vagões tipo “TPS” foram encomendados à Santa Matilde ainda em 1974, antes da inauguração da fábrica, e são do mesmo modelo recebido pela Ciminas. Cada um possui 65 m³ de volume útil e 100 toneladas de peso bruto. Foram entregues com pintura da SOEICOM e codificação TCPE, fase pouco fotografada.
Os vagões da Liz talvez sejam os que têm a maior constância histórica, pois, até os dias atuais, continuam no transporte de cimento a granel e mantendo-se como Soeicom/Liz. No entanto, isso não impediu que passassem pelas mesmas atualizações de identidade visual que sua dona, ao longo do tempo. Neste artigo, não abordaremos as mudanças de pintura dos vagões da Liz, uma vez que essas alterações são sempre pequenas variações de layout.
Limitamo-nos a mostrar uma foto de Pedro Rezende, datada de julho de 2006, que ilustra um dos padrões de pintura da companhia. Atualmente, a Liz conta com 98 vagões em operação, que incluem não apenas os originais, mas também alguns vagões incorporados posteriormente à frota. Os vagões mais recentes possuem um passadiço superior inteiriço e apresentam uma solda na lateral do tanque, característica que os diferencia dos vagões fabricados pela Santa Matilde.
Bitola Larga
Vagões Cimento Tupi HTPF 01000 a 01079
Depois TPT 013000 a 013079
Cobrasma-FNV, 1976
A Cimento Tupi, anteriormente conhecida como Cia de Cimento do Vale do Paraíba, iniciou suas atividades em 1949 como uma fábrica auxiliar, aproveitando a escória básica de alto forno, um subproduto da CSN.
Em 1976, a Tupi empreendeu um projeto ambicioso com a inauguração da nova planta de Pedra do Sino, localizada no município de Carandaí/MG. A produção foi voltada para o mercado paulista, e a Tupi construiu um centro de distribuição de cimento em Mogi das Cruzes/SP. O transporte do cimento a granel entre as fábricas em São Paulo era realizado com vagões especiais de alta capacidade. Nesse contexto, foram fabricados os maiores vagões desse tipo no Brasil: 80 unidades produzidas pela colaboração entre a Cobrasma e a Fábrica Nacional de Vagões. Com 119 toneladas de peso bruto e 75 m³ de volume útil, os vagões da Cimento Tupi são considerados gigantes desse tipo até os dias de hoje.
Inicialmente, os vagões receberam uma codificação anterior à numeração ABNT, sendo identificados pela série HTPF, de acordo com sua manga de eixo. A pintura de fábrica teve uma duração curta, sendo rapidamente substituída pela nova identidade visual da companhia.
Além de atender ao fluxo para São Paulo, principalmente vindo da fábrica de Volta Redonda, a Tupi também operou um fluxo de transporte entre Volta Redonda e Pedra do Sino e o Rio de Janeiro. Assim como seus concorrentes, a Tupi visava atender aos grandes centros consumidores de sua commodity utilizando o modal ferroviário.
Outra característica interessante e única desta série é que para atingir a volumetria pretendida, se fez necessário o “afunilamento” da extremidade do tanque em sua face superior, do contrário ele iria extrapolar o gabarito máximo permitido pela RFFSA para suas linhas de bitola larga.
Foto de Sérgio Martire tomada em Cachoeira Paulista/SP em 1981. Vagões da Tupi sendo tracionados por uma U23C. Mais um trem facilmente modelável com o material disponível no mercado e vagões Marumbi Modelismo.
Assim como a Liz, a Tupi mantém uma identidade visual independente e, ao longo dos anos de operação de sua frota de TPT, apresentou diversas pinturas. Neste artigo, não temos espaço para detalhar cada uma das pequenas alterações de layout, suas datas e especificações. Em vez disso, incluímos uma foto atual do vagão, registrada por Guilherme Stabelin em Murtinho/MG, em agosto de 2009, para ilustrar a aparência mais recente. Foto de Guilherme Stabelin em Murtinho/MG em agosto de 2009.
Bitola Métrica e Larga
Vagões Ciminas TPD/TPR 010000 a 010229
Depois Holcim, CSN Cimentos.
CCC, 1983
Em 1982, a Cimento Ciminas adquiriu um novo lote desse tipo de vagão, desta vez com capacidade para 80 toneladas e projetado para operar tanto em bitola métrica quanto larga. Com 60 m³ de volume útil e um gabarito bastante reduzido, seus fabricantes — uma parceria entre a Cobrasma e a Fábrica Nacional de Vagões (FNV) — optaram pelo alongamento do vagão, tornando-o o mais comprido entre todos os tanques de cimento nas duas bitolas.
O gabarito reduzido foi uma solução para permitir que o vagão circulasse sem restrições em todas as linhas de bitola métrica da RFFSA e da Fepasa. Assim, teoricamente, o vagão tinha a capacidade de alcançar qualquer ponto da malha ferroviária nacional.
As 230 unidades produzidas na Cobrasma começaram a chegar em 1983, consolidando a Ciminas como o maior operador desse tipo de vagão no Brasil. O principal fluxo de carga era entre a planta da Ciminas em Pedro Leopoldo/MG e as cidades de Uberlândia/MG e Ribeirão Preto/SP. Devido a esse fluxo, os vagões precisavam ser certificados para atender às exigências tanto da Fepasa quanto da RFFSA.
Próximo aos anos 2000, os vagões da Ciminas passaram a realizar transportes regulares até a estação de Presidente Altino, em Osasco/SP, e suas aparições pelo interior paulista tornaram-se bastante frequentes, operando inclusive em conjunto com tanques de cimento da Fepasa/Ferroban.
Na foto abaixo, registrada por Arthur Bilheri, é possível ver uma composição com tanques TPS e TPD, marcados como TPR, todos em bitola larga, nos primeiros anos de circulação pela MRS. A imagem também destaca as diferenças de gabarito adotadas pelos distintos tipos de vagões. Essa variação oferece uma sugestão interessante para modelistas, adicionando dinamismo ao trem.
Assim como os TPS da Ciminas, os vagões TPD/TPR passaram por diversas mudanças na identidade visual ao longo do tempo. Receberam os padrões da Holcim, conforme ilustrado nas fotos acima, e, mais recentemente, em 2023, passaram a adotar o padrão da CSN, conhecido como "o cimento do saco roxo", conforme a própria empresa define.
Com o fim das operações de bitola métrica de cimento a granel, atualmente todos os vagões antigos TPD atualmente se encontram operando na bitola larga da MRS Logística, junto com os TPS e TPT da Tupi, Liz e da própria CSN Cimentos.
Bitola Métrica
Vagões Fepasa TPC 318300 a 318339
Depois Ferroban, FSA, ALL.
CCC, 1983
A Companhia de Cimento Portland Itaú foi fundada em 1939 e tinha uma fábrica localizada em Itaú, Minas Gerais. Em 1977, a Votorantim adquiriu a Companhia de Cimento Portland Itaú, tornando-se líder do setor de cimento no Brasil na época, com uma participação de 40% na produção nacional. Posteriormente, a Votorantim expandiu ainda mais sua atuação, atingindo os padrões de liderança do setor que possui atualmente.
A unidade de Itaú de Minas sempre foi uma das maiores fábricas da Votorantim em termos de produção. Em 1981, motivado pelo desejo de melhorar o transporte ferroviário de cimento a granel, o grupo, em parceria com a Fepasa, iniciou um estudo para otimizar essa operação. A fábrica, que já possuía instalações de carregamento adaptadas para os antigos vagões da Cia. Mogiana sobre pranchas, buscava agora renovar sua frota com base nos resultados positivos dos TPDs operados na unidade Santa Helena em Votorantim/SP.
A Fepasa desenvolveu um projeto para a requalificação dos vagões. Quarenta antigos vagões gaiolas, que na época estavam sem contrato de transporte, foram encaminhados para a Cia Comércio e Construções para serem reconstruídos como tanques de cimento a granel.
Os vagões retornam em 1983, como tanques de 35m³ e passam a operar entre Itaú de Minas a Ribeirão Preto/SP. Em certo momento os tanques TPC e TPD passam a circular juntos, indiscriminadamente em todos os fluxos.
Tal como os TPD da Fepasa, os TPC seguiram para a Ferroban e para a FSA. Muitos foram convertidos ao transporte de óleo vegetal e demolidos no começo dos anos 2020. Atualmente mais nenhum TPC encontra-se em operação